Escrevi esse texto acho que 1999, por aí, e eu contava historias pela Associação Viva e Deixe Viver, no hospital Emilio Ribas, para crianças soro positivas e cheguei a postar em outro blog que eu tinha e que acabou se perdendo...mas resgatei o texto e aí vai...

CAROL, UMA MENINA QUE AMA

 

Acabei de sair do Emílio Ribas. Tirei o meu avental de contador de histórias como faço há três anos, escrevi algumas palavras no livro-diário e saí alegre, feliz, mas pensativo.

 Há quase três anos eu conheço a Carol.

 Ela é magrinha, um rosto que seria redondinho se não fosse a doença. 

Faltam alguns dentes na frente, mas o sorriso é lindo. Tem umas pintinhas nas bochechas ,o que lhe dá um charme incrível.

 A risada, quando sai, é uma gargalhada meio rouca, 'bronquítica' (se esta palavra existir, senão fica assim mesmo e o Aurélio que reescreva).

 O que me chama a atenção em relação à Carol é o carinho, o amor escancarado, a afetividade solta que ela tem com o pai. Confesso que sinto uma pontinha de inveja. 

É sempre assim: enquanto o pai (um cara alto, faltando também alguns dentes, meio fechado, mas simpático) está por lá visitando, ela não dá a mínima atenção para ninguém.

 É pai pra lá, pai pra cá. Mesmo quando ele vai embora, lá está a Carol na janela do quarto para dar um tchau, como se fosse o último tchau.

E grita: tchau paiê ! e ele acena meio timido. 

Outro dia, a enfermeira me contou, que estava uma chuva danada, com os respingos entrando, e ela nem aí "tchau paiê!" e preocupadíssima que o pai estava se molhando. 

É de emocionar, e ,como já falei, de sentir inveja.

Minhas filhas são carinhosas, afetivas, mas a Carol é tiete, macaca de auditório do pai. Gente simples, dá para perceber, mas que conhece o amor, o carinho, o afeto como poucos. 

Carol, provavelmente, não quer saber,  como adoeceu, por que adoeceu e até quando irá viver. É soropositiva, e daí?  Ela ama o pai e ponto. Seus olhinhos de 10 anos de existência dizem isto escancaradamente.

 Tanta gente, culta, rica, famosa e infeliz por não ter o amor de um filho assim expressado. As palavras caladas e as emoções engolidas. Afeto zero, apesar da “saúde” ir bem, obrigado.

 Carol, obrigado por amar o seu pai assim. Talvez você nunca leia isso  . Talvez você não se torne uma pintora famosa "como me segredou hoje no hospital" que seria, um dia. 

Não importa Carol, não importa... Você já é grande querida, do tamanho do amor que você tem pelo paiê !

Beijos deste contador que aprende tantas histórias, tentando contar uma.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Meditar, O Estar Bem, O Bem Estar consigo mesmo

Passos na areia, flutuações no mar